A BODEGA DO MEU AMIGO

 

         Luiz Antonio Simas escreveu sobre a importância dos botequins como espaços de sociabilidades. Diz ter aprendido com os mais velhos “que um botequim é feito de memórias, aspirações, anseios, sonhos, desilusões, conquistas, fracassos retumbantes, alegrias e invenções da vida daqueles que passaram por suas mesas e balcões”. Concordo em gênero, número e grau. Enquanto local de convivência, onde o sujeito observador pode confraternizar e aprender um pouco mais sobre a vida – a sua e a dos outros – geralmente não é preciso glamour e nem requinte, tendo cerveja gelada e um lugar confortável para sentar com os amigos, já é o suficiente. Se tiver boa música, melhor ainda.

            Penso nisso quando lembro da bodega do meu amigo, lá em Ilópolis, interior do Rio Grande do Sul. Era basicamente um trailer diante da praça, que o pessoal tradicionalmente chamava de “cachorrão”, com um piso de cimento polido ao redor, cercado por paredes de madeira e plásticos transparentes, com um telhado simples, que não inspirava muita confiança. Tinha mesinhas quadradas e banquetas de madeira e, no seu auge, duas concorridas mesas de sinuca. Pelo que me lembro, o espaço foi construído em meados da década de 1980, mas o meu amigo foi proprietário no final dos anos 90 e então virou uma febre entre os jovens da cidade – um público eminentemente masculino, é bom frisar.

            É sabido que havia outros ambientes bem melhor estruturados ali ao redor da praça. Para ser sincero, o bar do meu amigo era o que muitos chamavam de “espelunca”, mas não gosto deste termo porque soa pejorativo. Penso que se o local é capaz de promover lazer e entretenimento, mesmo na precariedade, então está valendo. E que precariedade! Os tacos de sinuca mais pareciam caniços de pesca; as banquetas eram tão frouxas que não raramente se despedaçavam quando alguém sentava, mandando o pobre cliente para o chão; e já que citei o chão, tinha uma lenda que dizia que se o piso daquela bodega pudesse falar, ele diria – entre outras coisas cabeludas – que nunca tinha visto algo chamado “vassoura”. Era artigo inexistente naquelas paragens. E o banheiro? Bem, era tipo uma cela do Carandiru, só que menor e mais claustrofóbica.

            “Mas, André, se o negócio era tão tosco, por que todo mundo ia lá?!” Simples: porque era divertido! Parte da diversão estava no próprio perfil do proprietário. Ele era um sujeito que raramente esquentava a cabeça com alguma coisa. Seguidamente sentava na mesa e jogava cartas com os clientes, valendo dinheiro. Dizem as más línguas que quase sempre perdia. Também era visto jogando sinuca com os frequentadores e, sim, valendo dinheiro. As mesmas más línguas de plantão diziam que nessa modalidade ele também quase sempre perdia. Então, se chegava algum cliente já conhecido e pedia um Xis Salada e o bodegueiro estivesse ocupado perdendo dinheiro nas cartas ou na sinuca, ele simplesmente dizia “Entra lá e faz tu mesmo”. Pronto.

            Uma vez um cliente pediu uma Coca-Cola, aquelas da garrafinha de vidro, de 290 ml. O bodegueiro abriu e levou até a mesa do sujeito. Só que o cidadão mudou de ideia e pediu um frasco de 600 ml. Ao invés de se irritar porque já havia removido a tampa da garrafa de vidro, o meu amigo simplesmente virou as costas e saiu bebendo o refrigerante no bico. Se o cliente não bebesse, ele mesmo beberia. Era assim que se resolviam os problemas. Sem estresse.

            Outra característica do proprietário que contribuía para a diversão dos frequentadores da bodega era o fato de ele ser dado a – sem mais nem menos – soltar frases inusitadas que levavam todos às gargalhadas. Uma vez alguns clientes começaram e pegar mosquitos, moscas e borboletas que estavam pelo chão ou presas nas várias teias de aranha do ambiente e jogar para um sapo que estava na calçada diante do estabelecimento, só pela satisfação de ver o bicho comer. Chegou um momento em que o pobre anfíbio já estava ficando redondo de tanto se fartar de insetos. Foi então que o bodegueiro apareceu e soltou essa: “Meu Deus! Esse sapo está com uma barriga que parece de um sapo!”. Virou clássico instantâneo.

            E por falar em clássico, o xingamento icônico que o bodegueiro soltava quando alguém fazia alguma bobagem era “abostado!” – do radical bosta. As vezes ainda emendava a pergunta: “Hei, seu abostado, será que te subiu a bosta pra cabeça?!”. Tal qual Che Guevara, o meu amigo podia ser duro, mas sem jamais perder a ternura.

            Há muito mais a contar sobre esse reduto cult da boemia casca-grossa. Mas deixamos para o próximo texto, pois este já está ficando volumoso demais, como a barriga de um sapo empanturrado.

 

André Bozzetto Junior

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