CENÁRIOS (AS RUAS)

 

            Os cenários existem em função dos personagens. Enquanto lugares, é certo que muitos sempre estiveram ali, moldados à natureza desde antes do homo sapiens, mas como espaços de construção de significado, são os atores que lhe atribuem sentido à medida em que neles encenam suas odisseias existenciais.

            Entre as inúmeras possibilidades, me parece que as ruas são os mais ecléticos dos palcos. Isso porque me identifico com aquela gama de pensadores – sejam eles cientistas sociais ou filósofos de botequim – que as veem não como meras vias de passagem, mas também de permanência. Dramas, aventuras, romances, comédias e até tragédias são encenadas diariamente nas esquinas e calçadas de todas as cidades, pelos protagonistas e coadjuvantes que por ali transitam. As ruas são versáteis. E também contraditórias. Aquele banco da praça onde o mendigo dorme desinteressadamente, apenas por falta de um lugar melhor, é o mesmo onde o casal de adolescentes trocou o primeiro beijo em uma tarde que será, para eles, inesquecível. Aquele semáforo que irrita o sujeito que volta para casa no final da tarde – porque está sempre fechado na vez dele passar – é o mesmo que enche de esperança o menino que para lá ruma todas as manhãs, na expectativa de vender alguns doces e – quem sabe – poder comprar comida ao anoitecer.

            Em sua dinâmica incessante, as ruas são lugares de construção de memórias e também de esquecimentos. O novo prédio, gigantesco e moderno, que tomou o lugar da antiga casa de arquitetura típica é visto por uns como sinal de progresso, e por outros apenas como apagamento do passado. As ruas são ambíguas. Território hostil para alguns, fonte de insegurança e estresse. Para outros, são espaços de múltiplas possibilidades, expressão máxima de liberdade.

            As ruas são picadeiros onde sempre há plateia. Artistas de margem, foras-da-lei, heróis anônimos, batalhadores da vida ordinária. Todos podem encontrar ali os seus pares. Garimpar singelos cinco minutos de destaque sob os holofotes de sua própria realidade. As ruas são multifacetadas.

            Como vias que costuram encruzilhadas, as ruas são locais de cruzamentos de destinos. Muitas vezes são o meio do percurso, mas também são pontos de partida e de chegada para os que vêm e os que vão, os que já vieram e os que já foram. Eu também já fui, mas agora voltei. Porque as ruas são de todos, são suas e são minhas também. São cenários polivalentes para o destrinchar dos épicos cotidianos, para serem  vivenciados e observados, pois cada passo dado nas calçadas da vida resulta em uma pegada para sempre marcada em nossa história pessoal, e cada personagem vislumbrado ao redor nos ajuda a entender um pouco mais sobre nós mesmos.

 

André Bozzetto Junior

Comentários