O FIAT 147 DO MEU PAI

 

Antes de se tornar um fã de Belinas, o meu pai teve alguns carros de modelo Fiat 147. Lembro de um prateado que devia ter poderes mágicos. Digo isso porque nas férias de verão ele carregava a família inteira, mais um monte de bagagens e nos levava até o litoral. Dirigindo ia o meu pai, e ao seu lado a minha mãe. No banco de trás, mais duas crianças e dois adultos: eu, meu irmão, minha avó e meu avô. Espalhadas pelo veículo inteiro, muitas malas, sacolas, brinquedos e até a televisão (sim, aqueles trambolhos de antigamente). Como cabia tudo isso, até hoje não sei. É como se as Leis da Física pudessem ser quebradas quando fosse por uma boa causa. E era uma boa causa? Para meninos interioranos como nós, já era interessante o simples fato de passar alguns dias em uma cidade maior, com mais movimento e muitas coisas diferentes para se ver. Tendo praia, fliperama, parque de diversões e sorvete, era espetacular.

E íamos, de Ilópolis à Tramandaí. A viagem começava um pouco antes do nascer do sol, e chegávamos à Capital das Praias um pouco antes do meio-dia. Acredito que não teria como o fiatzinho passar de 100 km por hora de jeito nenhum. Talvez ladeira abaixo, como no folclórico Morro da Guabiroba, mas acho que nem lá, pois na virada dos anos 80 para os 90 o trajeto até Encantado era de estrada de terra, com muitos buracos, pedras e poeirão. Eram 50 km que pareciam 200. Quando finalmente chegávamos ao asfalto, era outra vida, parecia coisa de primeiro mundo.

Após uma parada para ir ao banheiro e comer um pastel, geralmente lá pelas bandas de Tabaí, a próxima etapa era passar por Porto Alegre. Tantos carros, tanta gente, outdoors, prédios e mais prédios. Aos olhos infantis acostumados com as paisagens bucólicas do interior, era algo impressionante, quiçá até um pouco assustador.

Na Freeway, eu me sentia como em um cenário de algum filme americano exibido no Cinema em Casa ou na Tela Quente. E lá tinha espaço para o pai meter o pé no fundo do acelerador. Acredito que em alguns momentos o fiatzinho devia atingir a impressionante marca de uns 80 km por hora. Quando se chegava nas margens da Lagoa dos Barros sempre tinha alguém que perguntava: “Já é o mar?!”. Mas nunca era. Demorava mais um pouco até finalmente chegarmos a Tramandaí onde era certo que SEMPRE teríamos dias maravilhosos. Por que será? Naquela época havia a tal inflação galopante, se tinha menos dinheiro do que agora, tudo era mais simples – até meio precário, como mostra esse relato – então por que era tão bom? Provavelmente porque viagens, assim como vários outros tipos de atividades, são pretexto para o que realmente importa: a convivência. O tempo passa, os lugares mudam, as pessoas também se vão, mas as experiências e o convívio deixam tesouros que se convertem em memórias afetivas, para se guardar na mente e no coração.

Até hoje quando um Fiat 147 passa por mim – e eles estão se tornando raríssimos – parece que vejo no banco de trás as cabecinhas de dois meninos olhando para fora com os olhos arregalados, empolgados com o que a vida ainda tem a oferecer e curiosíssimos com o que esse mundão ainda tem a revelar. E com eles, eu me vou também.

 

André Bozzetto Junior

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