O TERRÍVEL LOBO-GUARÁ DE ILÓPOLIS

 

            Foi lá pelos idos de 1991 ou 1992. Ninguém sabia ao certo como havia começado, mas o fato é que surgiu entre os alunos do Colégio Estadual o boato de que um terrível lobo-guará andava saindo dos matos que circundavam as áreas ermas da cidadezinha para atacar, sem dó nem piedade, os incautos que circulavam sozinhos por aí ao anoitecer. Idosas voltando da missa, bêbados retornando das bodegas, crianças desobedientes que não iam para casa na hora estipulada pelos pais; todos eram vítimas em potencial da fera sanguinária que estava à solta.

            Como sempre acontece nesse tipo de situação, ninguém conhecia pessoalmente um indivíduo sequer que tivesse sido atacado, mas todo mundo já tinha ouvido falar de algum desafortunado que havia dado de cara com o apavorante animal. Era tipo “o amigo do primo da cunhada do meu vizinho”, ou alguém tão distante quanto. Contudo, mesmo na ausência de qualquer evidência palpável, é sabido que as lendas urbanas e o folclore local têm uma tremenda força de persuasão no imaginário coletivo do meio onde se disseminam.

            Não tinha jeito. A gurizada estava apavorada. Tinha piá que andava com pedras nos bolsos e bodoque na mochila. Dizem que uns, mais extremistas, carregavam até canivete para lá e para cá. Tudo para se proteger no caso de algum encontro com a besta selvagem, que se dizia mais voraz do que um leão esfomeado. “E não adianta tentar fugir subindo em árvore”, alertavam os mais exaltados, “Porque o guará sobe atrás e te come lá em cima mesmo!”.

            Tinha gente fazendo promessa, pedindo proteção a São Roque. Uns não queriam mais sair de casa. Mesmo levando uma “tunda de laço” dos pais incrédulos, se recusavam a ir para a  escola. Um piá do quarto ano se urinou nas calças só de ouvir falar que certa noite o horrendo predador havia devorada uma vaca, uma égua e uma cadelinha prenha lá na Linha São João. “Da vaca sobrou só o par de chifres. Dos outros animais, nem isso”.

            Hoje sabemos que o lobo-guará não é um predador feroz, e que tem os frutos como principal elemento de sua alimentação. Além disso, essa espécie não persegue e não ataca ninguém, nem no chão e muito menos em cima das árvores. É justamente o contrário: trata-se de um animal arisco, que geralmente foge ao menor sinal da presença humana. Mas, naquela época não havia argumento racional que nos convencesse. O exagero, o inusitado e o insólito são mais atraentes do que o trivial e o comum. Estimulam a imaginação e dão mais pano para manga nas rodas de bate-papo. Eis o mecanismo de propagação e permanência dos boatos e das lendas urbanas.

            Para uma gurizada na faixa dos 12 anos, como nós, uma das coisas mais divertidas que se tinha para fazer era jogar futsal no ginásio que pertence ao Colégio Estadual, localizado na esquina das ruas Augusto Tomasini com a Luís Bresolin. Na época havia bem menos casas e muito mais mato nos arredores do que hoje em dia. O colégio ainda nem estava lá. Portanto, era um local potencialmente perigoso à aparição da besta-fera que tanto assolava nossa imaginação. Em função disso foi até difícil juntar dez peladeiros para jogar naquele final de tarde. Mas, fomos e jogamos, com a promessa de que, para garantir a segurança do grupo, voltaríamos todos juntos ate o centro da cidade.

            Quando saímos do ginásio já havia anoitecido e o pavor iniciou ali mesmo. Parados na esquina, estavam dois guris mais novos, que eram moradores das redondezas. Eles olhavam atentamente para o matagal que havia do lado de onde hoje está a Delegacia de Polícia Civil. A nossa turma se aproximou, curiosa, mas nem deu tempo de perguntar nada. Os dois piazinhos saíram correndo, gritando, chorando e se descabelando, em pânico. Era o lobo-guará!

            Imediatamente, alguns membros do nosso grupo saíram correndo também, inclusive eu, que sempre acreditei no ditado de que o seguro morre de velho. Uns dois ou três retardatários ficaram para trás – decerto instigados pela curiosidade – e depois disseram para todo mundo que o vulto que estava se aproximando por entre as árvores era do tamanho de uma pessoa e caminhava sobre duas pernas. Mais do que isso não viram, porque também saíram em disparada, tão ou mais assustados do que os outros. Dizem que um deles correu tanto que foi parar em Linha Gramadinho, mais rápido do que Usain Bolt nas olimpíadas.

            É claro que o tal “vulto” era apenas um homem que morava nos arredores e que decidiu cortar caminho atalhando pelo mato. Nada além disso. Mas, como Dias Gomes tão bem ilustrou em sua obra, no imaginário popular o mito é mais forte do que a realidade. A que conclusão chegou o grupo de atemorizados garotos? Ora, se “a coisa” era do tamanho de uma pessoa e caminhava em duas pernas, então não poderia ser um lobo-guará. Só poderia ser um lobisomem!

            O folclore ilopolitano havia atingido um novo patamar.

 

André Bozzetto Junior

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