PERSONAGENS

 

        Gosto daquela ideia defendida por Nietzsche de que a vida deve ser vivida tal qual a elaboração de uma obra de arte. Ele viveu no século XIX, então geralmente utilizava em seus livros exemplos relacionados ao teatro e à ópera. Eu, por minha vez, acabo pendendo para o viés do cinema. Quando penso nisso, a primeira coisa que me vem à mente é a grande diversidade inerente à sétima arte. Há filmes para todos os gostos, de todos os gêneros, focados nos mais variados personagens, desenvolvidos sob as mais diversas circunstâncias, sob múltiplos critérios, produzidos nos mais diferentes lugares. Assim como a vida. A tela é a perfeita reprodução da existência humana, dizem alguns. Aristóteles afirmava que a arte imita a vida. Mas há quem pense o contrário. Oscar Wilde, por exemplo, escreveu que a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida. O que é visto na tela, nesse caso, muitas vezes serve de inspiração para as realizações do dia a dia. Em última instância, parece que ambas as possibilidades se fundem, se retroalimentam. Talvez sejam formas diferentes de se falar sobre a mesma coisa. Lá vem o tio Nietzsche novamente.

            Filosofia à parte, o fato é que existe o cinema mainstream, hollywoodiano, blockbuster, produzido com centenas de milhões de dólares, que gasta mais algumas centenas de milhões em publicidade para tentar induzir todo mundo a querer assistir e, consequentemente, também lucrar seus almejados milhões. São os filmes pop, cujas propagandas inundam a TV, os jornais, as revistas, os outdoors e a internet de tal forma que até quem não vai assistir fica sabendo do que se trata, pois é algo do qual todo mundo acaba falando. Particularmente, não me interesso muito por esse tipo de filme. Acredite se quiser, mas nunca assisti nenhum filme dos Vingadores, nem Avatar e só o primeiro da série Velozes e Furiosos. Em DVD. Star Wars? Vi a trilogia original. Na TV, lá na década de 90.

            Não vamos entrar no mérito do que é bom ou não é, pois isso envolveria a questão do gosto pessoal e critérios subjetivos sempre difíceis de serem mensurados. Vamos apenas mencionar que existe o outro lado da moeda – pelo qual me interesso mais – composto pelos filmes alternativos, de baixo orçamento, independentes, obscuros, amadores, esquisitos. Tal na arte quanto na vida, é esse tipo de metáfora que mais me chama a atenção.

            Se os filmes existem em função de seus personagens, principais ou secundários, em nossas vidas somos sempre os protagonistas e temos os outros como coadjuvantes de nossas histórias. Da mesma forma, somos coadjuvantes – ou meros figurantes – nos enredos estrelados pelas vidas dos outros. Sendo assim, com quais personagens queremos contracenar?

            Confesso que não me sinto atraído por aquelas figuras que estão recorrentemente sob os holofotes da grande mídia, famosos de canais de fofocas, subcelebridades de redes sociais. Em relação a estes, tenho a impressão de que, sob uma chamativa camada de aparências, há pouquíssimo – ou nenhum – conteúdo. E os grandes – “empresários”, “políticos”, “artistas”, “atletas”, “influenciadores”,etc, todos assim mesmo, entre aspas – bancam a própria publicidade, escolhem o querem que as massas saibam a seu respeito, ainda que entre a imagem vendida e o que subjaz por detrás das fachadas midiáticas seja frequentemente contraditório ou até mesmo totalmente falso. Sobre essa categoria de personagens, tenho nutrido uma resignada desconfiança e um pleno desinteresse.

            Seja do ponto de vista sociológico, filosófico ou apenas humano, os que me chamam a atenção – tal qual no exemplo dos filmes – são os que representam o reverso da moeda. Aqueles grandiosos em sua simplicidade, figuras do cotidiano, que por isso mesmo são autênticas, personagens que habitam o lugar comum, que por isso mesmo são reais. Podem ser encontrados andando pela rua, porque são parte da massa, e por isso mesmo são agentes estruturantes da sociedade, portadores de significado, construtores da história de nossa coletividade. É a esses que o Jornal Voz da Rua se dedica, a nós.

 

André Bozzetto Junior 

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