UM LUGAR QUE NÃO EXISTE MAIS

 

              Este texto também poderia se chamar “Memórias da Rodoviária”. Como não me decidi entre as duas opções, deixo ao leitor a possibilidade de fixar aquela que achar melhor.

            Praça. Clube Recreativo. Barbearia. E na quarta esquina estava a rodoviária. Atualmente o prédio ainda está lá, mas a rodoviária não. Sumiu, assim como tantos passageiros que ali embarcaram em algum ônibus azul e branco e partiram. Para onde foram, o que levaram em suas bagagens, isso não faço ideia, e, convenhamos, não faz diferença. O que realmente importa, levaram dentro de si, e isso eu sei. Levaram memórias. Algumas, decerto ruins, porque nada e nem ninguém é perfeito. Mas, com certeza, se foram muitas lembranças boas também, pois do mesmo jeito que o nevoeiro do fim do inverno não resiste à manhã ensolarada que chega anunciando a primavera, da mesma forma não existem sombras interiores que resistam a uma alma que, assim como o sol, queira brilhar. E, lembre-se: não importa o que aconteça, o sol sempre quer brilhar.

            Essa introdução esquisita e clichê inventei agora. Queria mesmo era falar sobre o garoto. Ele já vem chegando. Desce da Belina com uma sacola enorme. Eu sei o que tem dentro: roupas, CDs do Iron Maiden e dos Ramones, doces de banana feitos pela avó, um monte de expectativas e também alguns receios. Ele abraça o pai e a mãe – que depois retornam ao carro, cabisbaixos, disfarçando mal a sensação de coração apertado – e então segue para o ônibus. Ele não me vê, então posso observá-lo muito bem. Alto, magro, meio desengonçado. Com espinhas no rosto disfarçadas pelo boné enfiado até quase na altura dos olhos. Que idade ele tem agora? Voltamos para 1996, então ele tem 15 anos. Sabe tão pouco da vida!

            Se eu pudesse, embarcaria no ônibus e sentaria ao lado dele. Até chegar ao colégio interno, já teria lhe dado várias dicas. Diria para ele não se preocupar tanto com coisas que jamais acontecerão. Diria que, apesar dos ombros largos, ele não deve carregar o peso que não lhe pertence. Diria que será preciso aprender a perdoar os outros, porque é assim que se fica livre por dentro, e às vezes perdoar a si mesmo, pois é assim que se amadurece. Também terá que aprender a pedir perdão de vez em quando, porque assim se desenvolve a humildade e, por sua vez, a humildade revela o melhor do ser humano. Diria para ele confiar mais em si mesmo, pois isso será um ponto-chave para as coisas darem certo no futuro. Mas, principalmente: diria para ele não perder tempo e energia sentindo medo de não ser merecedor de coisas boas. Por acaso viemos até aqui para sermos condenados? Com certeza, não. Daqui a uns vinte anos ele encontrará um sábio que lhe dirá: “Não fomos mandados até aqui para sofrer, mas sim para aprender”. O sofrimento passa, o aprendizado fica, e assim se evolui, até aprendermos o suficiente para não precisarmos mais sofrer.

            Queria lhe dizer isso e muito, muito mais. Porém, logicamente, isso é só devaneio. Não vou lhe dizer nada. Ele vai aprender tudo sozinho. O ônibus parte rumo ao desenrolar daquela incrível década de 1990 e eu vou de volta para 2020, com as memórias dele, que são minhas... que são nossas, enfim.

 

André Bozzetto Junior

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