TRAMANDAÍ, PARK TUPÃ E O APAGAMENTO DO PASSADO

 

            Ao longo da infância e dos primeiros tempos da adolescência, Tramandaí sempre foi o meu idílio de férias, aguardado ansiosamente durante todo o ano. Meu sonho de verão era sustentado sobre quatro pilares que iam além da praia propriamente dita: cinema, fliperama, música e parque de diversões.

            O cinema que eu frequentava era o inesquecível Cine Caiçara, que marcou tantas gerações. Foi lá que tive os primeiros contatos com a Sétima Arte através da tela grande que, infelizmente, já se apagou há muito tempo. Ao que me consta, os letreiros dos créditos finais foram exibidos pela última vez no início dos anos 2000. Depois, nunca mais. Hoje o local foi transformado em uma galeria repleta de lojinhas, iguais a tantas outras que existem em diferentes pontos da cidade.

            Os fliperamas inundaram a Avenida Emancipação com suas telas coloridas e músicas espalhafatosas até o fim dos anos 90. Eram vários, alguns bem do lado dos outros. Nos locais onde tantos jovens se divertiram nas saudosas décadas passadas, hoje existem sorveterias, restaurantes e lojas de produtos chineses.

            Também havia lojas de CDs e camisetas de bandas na Avenida Emancipação. Bem ao lado do icônico Hotel Beira Mar tinha uma muito simpática. Foi lá que comprei alguns CDs que tenho até hoje, além da minha primeira camiseta do Iron Maiden. Atualmente, não tem mais rock tocando por ali. Não há mais garotos cabeludos procurando artigos de suas bandas favoritas. Na última vez que passei pelo local, havia uma loja de calçados ocupando o espaço.

            E o parque de diversões? Sim, hoje eu sei que ele ficava em Imbé e não em Tramandaí, mas, na minha mente juvenil a ponte não servia para separar dois municípios, mas sim para ligar diferentes coisas das quais eu tanto gostava. Era o Park Tupã, o mesmo que recentemente ganhou as manchetes de vários veículos midiáticos ao anunciar o encerramento de suas atividades, após quase 50 anos circulando de forma itinerante por inúmeras cidades do sul do Brasil. Durante décadas, lá esteve ele, na margem do rio, impregnando o ar do fim da tarde com o cheiro de pipoca, fazendo ressoar risos e gritos de diferentes gerações, iluminando com suas luzes coloridas o céu das noites de verão. Mas, agora acabou. Ruiu o último pilar dos meus anseios de férias. O tempo passa, e o que ainda fazia parte do meu tempo passou também.

            Sei que muita gente não considera isso algo importante. Afinal, ao contrário dos outros três tópicos mencionados anteriormente – que não vão mais voltar – o parque provavelmente será substituído por outro que ocupará aquele mesmo local, como eventualmente até já aconteceu. Então dá tudo na mesma, certo? Bem, eu penso diferente.

            Acredito que essa mentalidade em que tudo é descartável, tudo é substituível, tudo pode ser “modernizado” é um dos fatores que contribui para problemas tão presentes atualmente, como a despersonificação, a apatia e a alienação. Quando se perdem as referências do passado, fica difícil traçar paralelos norteadores para o futuro.

            Um parque de diversões pode não ser relevante para a “Grande História” – aquela composta por fatos emblemáticos e pessoas famosas – mas com certeza foi marcante nas histórias do cotidiano de muitas crianças, casais e famílias inteiras que tiveram ali um espaço de convívio, construção de interações, lugar de memórias afetivas.

            Penso que quando algo com tantas décadas de existência – que proporcionou experiências para várias gerações – deixa de existir, não ocorre apenas o apagamento de uma parcela do passado, mas também se eliminam possibilidades de vivências futuras. Meu pai circulou por aquele parque quando era jovem. Depois levou a mim e a meu irmão. Eu levei meu filho. Mas ele não vai levar ninguém. Não naquele.

            As imagens que ilustram este texto são de 2017. Nós não sabíamos, mas aquela era a última noite em que iríamos passear, brincar e nos divertir em um parque que agora só existe assim, em fotos e lembranças.

 

André Bozzetto Junior

Para mais novidades, nos siga no Instagram: @jornalvozdarua

Comentários