ONDE NINGUÉM AMA NINGUÉM

 

        Entre os anos de 2007 e 2008, enquanto fazia Mestrado na UNISC, de Santa Cruz do Sul, eu costumava sair quase todas noites para tomar uma cerveja e jogar sinuca com uma dupla de sujeitos bem peculiares. Um deles era um amigo de infância, por quem tenho grande apreço e com quem mantenho contato até hoje. O outro conheci por intermédio do primeiro e rapidamente se revelou um dos seres humanos mais nobres com quem já convivi. Gostei tanto dele que o convidei para ser meu padrinho de casamento, poucos anos depois.

            O fato peculiar de nosso convívio era que, apesar de estarmos sempre juntos, vivíamos discordando uns dos outros. Falávamos sobre futebol, política, religião, música, filmes, assuntos de teor social ou o que quer que fosse e raramente chegávamos a um consenso. Ou melhor: nunca chegávamos a um consenso. Na melhor das hipóteses, dois apresentavam opiniões semelhantes, mas sempre havia um “do contra”. E agora vem a parte onde quero chegar: nossas opiniões jamais ofendiam ou irritavam ao outro. Mesmo discordando, cada um sabia respeitar os argumentos dos demais, de tal forma que nossa amizade sempre se manteve fortalecida e a admiração que sentíamos uns pelos outros continuava intacta.

            Cito isso porque tenho sentido uma falta danada desses tempos, onde fatos podiam ser discutidos sem serem levados para o lado pessoal, e discordar da opinião alheia não era tido como ofensa.

            Hoje em dia me parece haver uma visão hegemônica por parte de muitas pessoas sobre como a realidade deveria ser, e quem não se encaixa nessa padrão corre o risco de ser considerado uma espécie de vilão, que deve ser combatido e execrado.

            Se o seu  pensamento não estiver em conformidade com o padrão “dazelites”, é preciso pisar em ovos. Há assuntos que incomodam e não deveriam ser comentados. É necessário engolir alguns sapos voluntariamente, para evitar que outros mais lhes sejam enfiados goela abaixo. É recomendável ter cuidado com quem você elogia, ter cautela com o que você aprecia. Tem muita gente por aí adepta da mentalidade onde “quem não está conosco está contra nós”.

            Recentemente ouvi uma frase que me marcou muito. Não vou citar o autor, porque não pedi a autorização dele, mas a constatação nevrálgica foi essa: “Dizem que Pinhalzinho é a ‘Capital da Amizade’, mas como pode ser isso se há tanta gente que odeia gays, odeia negros, odeia indígenas e odeia estrangeiros?”

            Todo mundo sabe que gente preconceituosa e adepta da retórica do ódio existe em todos os lugares. Não é exclusividade de uma cidade ou outra. Mas, cada um fala com base na realidade que vê. Também é importante deixar claro que a maioria das pessoas não é assim, caso contrário, a convivência seria simplesmente insustentável. Mas, mesmo que estejamos falando de uma minoria, ela não deixa de ter relevância.

            Aqui eu pergunto: quem nunca ouviu, na fila do mercado, alguém xingando as crianças indígenas que pediam comida ou esmola na porta? Quem nunca ouviu alguém chamando de “bicha” ou “viado” o casal de rapazes andando de mãos dadas na praça? Quem nunca ouviu alguém desdenhando dos venezuelanos e/ou haitianos e reclamando do Governo por ter deixado “esse tipo de gente” vir para cá? Eu já ouvi todas as hipóteses anteriores que, infelizmente, não são exemplos fictícios.

            Se você que está lendo este texto ficou com vontade de me perguntar como seria possível lidar com esse tipo de situação, vou lhe dizer a única coisa na qual acredito para contrapor esses problemas e outros correlatos: Educação.

            Mas educar é dispendioso, exige abnegação, persistência e uma boa dose de fé na humanidade. Sobretudo, a Educação – a verdadeira Educação – é um processo lento, que exige o plantio imediato com a expectativa de colheita no futuro.

            Eu torço para que esse futuro otimista chegue logo. Até lá, continuarei com a desconfiança de que sob esta realidade onde muito se fala de “amizade”, “amor” e “abraço”, existe outra, tipo aquela da canção do Chris Isaak, onde parece que “ninguém ama ninguém”.

 

André Bozzetto Junior

Para mais novidades, nos siga no Instagram: @jornalvozdarua

Comentários