A NOITE EM QUE O CAPETA APARECEU NO CLUBE DE ILÓPOLIS

 

            Em um texto anterior, relembrei as domingueiras do Som Flashback que ocorriam no início dos anos 2000 no Clube de Ilópolis. Contudo, não entrei em detalhes sobre as muitas histórias engraçadas e até pitorescas que aconteceram nos eventos daquela fase. Vou começar com uma das minhas favoritas.

            O ano era 2000 ou 2001. Naquela época – não sei se ainda é assim hoje em dia – durante o período da quaresma, era de praxe em toda região não se realizar bailes ou festas de qualquer tipo, em uma clara demonstração da influência que a tradição católica exercia sobre o cotidiano de então.

            Porém, buscando aproveitar o sucesso que os eventos vinham tendo, os proprietários do Som Flashback e a diretoria do Clube à época decidiram contrariar as convenções e realizar um matinê dominical dentro do período de 40 dias que antecede a páscoa.

          Cartazes foram espalhados, anúncios na rádio foram veiculados e toda a divulgação habitual foi feita normalmente, apesar da desconfiança de algumas pessoas com quem falávamos. À boca pequena, se dizia haver boatos de que a parcela mais conservadora da cidade não via com bons olhos a iniciativa. Poderia haver castigo por esse desrespeito.

            O fato é que os frequentadores costumazes e sobretudo os jovens da região não pareceram muito preocupados com os princípios restritivos, pois a balada foi um sucesso. O público foi um dos maiores entre todos os eventos daquela fase e tudo transcorreu perfeitamente, sem quaisquer incidentes.

            Mas, não foi essa versão da história que se tornou assunto na semana seguinte. Originado não se sabe de onde – tal como qualquer lenda urbana começou a circular pelas bodegas, mercados e, principalmente, pelas rodas de chimarrão de comadres, o boato de que o Capeta em pessoa havia dado as caras na nossa humilde domingueira. Deixa eu explicar melhor.

            O relato – sempre espalhado por alguém que não estava presente no evento – dava conta que, numa certa altura da noite, adentrou na pista de dança uma moça loira, linda, maravilhosa, monumental, escultural e merecedora de outros adjetivos do tipo. Era totalmente desconhecida. Ninguém nunca a tinha visto em lugar algum. Ela ficou por ali, sorridente, dançando de forma sensual e chamando a atenção de todos os homens que a cercavam e despertando a inveja das mulheres, que logo a começaram a tachar de “fresca”, “oferecida” e outros termos um pouco mais pejorativos.

            Então, depois de já ter semeado a discórdia entre todos os casais da festa – oficiais ou eventuais – só com o poder de sua presença, a tal loira entrou no banheiro e nunca mais saiu. Simplesmente desapareceu. Intrigadas, algumas pessoas foram verificar e perceberam, apavoradas, que lá só havia fumaça, cheiro de enxofre e pegadas incandescentes no formato de patas de bode. O Tinhoso havia marcado presença na balada profana para pregar uma peça nos incautos que desrespeitaram a quaresma.

            Sem dúvida, uma ótima história, só que sem nada de original. Basta uma rápida pesquisa na internet para se verificar que existem inúmeras versões desse enredo – com maiores ou menores variações – não apenas no Brasil, mas em vários outros países, já tendo sido abordados inclusive em filmes, livros e até HQs, ao longo de muitas décadas. Quando meu pai chegou em casa e contou, aos risos, que esse era o assunto do momento na cidade, eu achei muita graça e fui na hora buscar uma história em quadrinhos dos anos 80 (que devo ter até hoje aqui guardada em algum lugar) e mostrei o mesmo “causo”, só que com um rapaz ao invés de uma moça servido de disfarce para o Coisa Ruim.

            Dizem que até o padre da época citou o fato no sermão de uma missa de sábado à noite, alertando o povo para os perigos de não se observar os dogmas católicos e frequentar “esse tipo de lugar”.

            Seja por culpa da versão ilopolitana dessa lenda urbana ou por qualquer outro motivo, o fato é que nós promovemos outra balada ainda dentro do período da quaresma e, dessa vez, o público foi bem menor. Sabe como é, por via das dúvidas, precaução nunca é demais. Vai que o “Demônho” aparecesse de novo e quisesse aprontar algo de mais pesado dessa vez?

            De minha parte, o que posso dizer é que – por ser um dos DJs do evento – eu estava no local desde bem antes de a festa começar e fui um dos últimos a ir embora. Graças a Oxalá, não vi nem sequer um mínimo vestígio do Capeta por lá. E, acredite, se uma loira tão espetacular como aquela descrita tivesse aparecido, eu teria percebido.

 

André Bozzetto Junior

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